4 de mar. de 2014

POESIAS * AUTOR * Diobelso Teodoro de Souza


Biografia I
 Predisposição


Acho que nasci com a predisposição pra apreciar o que não presta muito, desajustado.

Procuro serventias em certas aparelhagens desusadas e utensílios que ninguém quer pra nada. Costumo recuperar algumas coisas, mas isso pode levar tempo.

Peço que não reparem muito nesse defeito meu: é que devo estar voltando às minhas origens, depois de algumas décadas.

Isso começou quando era bem menino: conseguia brinquedos despedaçados 

e formava palácios em meus reinados.

De uma rodinha grudada num eixo eu fazia um redemoinho tocando valsa.

Um helicóptero de 3 hélices eu já fiz de uma cabinezinha de ambulância sem porta, sem nada.

De uma flauta quebrada grudada num pedaço de alumínio eu tive a artimanha de fazer um passarinho de uma asa só que cantava muito.

Depois, já com uns 13 anos, fiz um time de futebol da gurizada que nunca era chamada para jogar nos times bons. Enfrentamos a seleção da cidade.

Resultado: ganhamos de 2 a 1, lá no Campão do Japonês, perto da Zona, em Glória de Dourados. Tava empatado 1 a 1 e fiz um golaço que não esqueço nunca: de falta, no meio da barreira à direita, que se abriu. 

Na Universidade,em 1979, formei o “Anistia”, só de caras rejeitados pelos outros times. 

Não deu muito certo, a gente só perdia, eu era o 10. Mas servia para tomar umas no Bar Anestesia, ouvir histórias do Zé Garçom e se aliviar depois das provas.

Devo ter virado médico devido essa necessidade de recuperar coisas que não prestam tanto e de andar com gente que não funciona direito. 

Pode ser uma predisposição: às vezes dá certo, mas não é muito culpa minha. Tem gente que gosta de desconcertos, que nem eu, e daí eu não mecho com elas. Já tão prontas.

No 3º. Ano Primário, a Profa. Vânia Medeiros disse que os poetas podiam provocar reajustes nos corações e até fazer reparos em almas despedaçadas, às vezes até com uma só palavra. Bastava que ela tivesse sido bem polida e engrenada.

Daí eu também procurei desenvolver essa capacidade besta: juntava palavras e pontuações que não eram muito usadas nas redações e trabalhos escolares e comecei a fazer alguns versinhos. 
Isso não adiantou muita coisa: não me lembro de ter ajudado recuperar nenhum suicida de paixão braba em Pronto Socorro.
Nunca gostei de usufruir só do bem bom. O melhor pra mim sempre foi fazer medalhas de tampinhas amassadas e conquistar reinados debaixo dos pés de manga do quintal. Por ali eu sempre me senti um rei. Penso que sempre fui um Rei menino que nem o Tuti (Tutancamon). Só que ele gostava muito de armas de brinquedo revestidas de ouro egípcio. Eu não: minha arma sempre foi aproveitar objetos despedaçados, brincar com coisas inúteis e desconfiar do que é feito só pra machucar. 
É que sempre fugi dos falatórios esquinados que ferem o corpo: prefiro a solidão dos cochichos de insetos e de pardais idiotas: ainda aprendo muito com eles. 
Meus carrinhos tinham rodinhas de mamonas e, mesmo assim, conseguiam ser rápidos demais. Tanto que fugiram dos meus sonhos atuais. Agora vivo atrás deles.

(Diobelso T. de Souza - Praia de Palmas-SC, 23/09/15).





FOTOGRAFIAS

Confesso que essas antigas fotografias
causaram um feed-back inesperado
Em todos os meus sentidos.
Talvez já estivesse meio desacostumado
A essas provocações nas lembranças:
Vou tatuando com os dedos cada casa,
Muros, árvores, córregos
Que aparecem nas fotografias...
Não brotam lamentos do meu interior:
Apenas lembranças esmiuçadas,
Que são como borboletas vivas,
Que ressurgiram do passado
E que sobrevoam diante de mim
Pausadamente.
Meu olhar fica estático, absorto,
Mas o coração em palpitação desconcertante,
Torna-se uma maquinaria de sudorese
Ao ver qualquer pedaço de rua,
Vultos humanos, plantações,
A Praça, o Relógio, os canteiros...
Então começo a sentir, levemente,
O cheiro impregnado e das poeiras da infância.
É que faz parte da minha constituição
Cada componente dessas imagens.
Por isso as carrego dentro de mim.
São prolongamentos invisíveis
Das minhas extremidades,
Partes das minhas vísceras,
Da minha existência de 55 anos.
São pertinentes ao meu corpo:
Me compõe, me forma, me define.
Vejo os primórdios da Presidente Vargas,
Os pontos comerciais, os quarteirões...
Lembro de alguns limites dos trajetos
Dos meus primeiros passos.
Deixo, então, me levar pela ternura
Que envolve completamente
Esse coração agora pastoso, amolecido.
É praticamente impossível, nesse momento,
Os olhos não se umedecerem
Na inspeção cautelosa
Dessas antigas fotografias.
Mas, antes que percebam
Alguma gotícula desajeitada
Escorrendo pela minha face,
Rapidamente abro uma janela
E tento mirar, mesmo na imaginação,
Qualquer horizonte possível.
E me deleito, assim, na doce saudade
E na melancolia vagarosa
Que me invade completamente.
(Palmas do Arvoredo-SC, 28/03/2014 03:45 m).



Diobelso Teodoro de Souza




                          - OS ORVALHOS NOS OLHOS DE UM MENINO-



I – DA QUARTA  LINHA
Saudade é todo esse tempo
Ficar pensando em Você
Minha Glória de Dourados:
Dos banhos alegres no Córrego das Moças
E dos animais mansos pastando
Nas beiras das suas estradas.
Do cheiro de bosta quente de vaca
Que os orvalhos misturavam em cedo
Com as plantações de algodão e amendoim.
Do gosto das chuvas serenas
Que fazem as poeiras da infância

Ainda brincar nas lembranças...
II - DOS EMPREGOS:
Recordo-me das modinhas matinais 
Que descendo da carroça cantava
Pelas ruas da querida Cidade
Na alegria dos meus seis anos:
Deixava por sobre os umbrais das janelas
(ainda sonolentas ou semi-abertas)
O mais puro litro branco de leite
Que eu trazia da Quarta-Linha.
Lembro-me de cada palmo das ruas
Em que pratiquei outros ofícios
Com quase nove anos de idade:
Com a alça do isopor no pescoço
Vendia picolés, cocadas, quebras-queixo.
Ou com o balaio de taquara bem amarrado
Na cargueira da Bicicleta Gorick vermelha
Entregava pães da Padaria do Cido
Nas ‘vendinhas’ das periferias e dos sítios.
E o primeiro meio salário-mínimo
Recebido no Bar do Seu Orozimbo
Quando já tinha meus doze anos.
Depois no Escritório de Contabilidade
E Despachante do Paulinho Guimarães
Era encarregado da faxina e Office-boy
Enquanto praticava datilografia
Nas máquinas Olivetti e Reminghton.
Finalmente aos quatorze anos
Exercia o papel de contador e caixa
No escritório da Bicicletaria Moura.
Até que em Fevereiro de 1974
De carona até Campo Grande
Com o Prof. Diogo e o Morishita
Fui cursar o Primeiro Científico.


III – DAS PESSOAS IMPORTANTES:

Recordo-me das instalações
Das primeiras Entidades Assistenciais
Lions Club e Seleta Caritativa;
Algumas lideranças dispostas e ilustres
Foram bons exemplos para mim:
Antônio Shiave, Nildo Carvalho,
Pe. Roberto, Aparício, Lúcio, 
José de Azevedo, Aniz, Lourival, etc.
O enfermeiro carismático Santiago
E os médicos Origenes Simões,
(ao lado do Bahia Hotel)
Raul (o peruano), e a dupla
Roberto e Guerino, no Hospital.
Incluo ainda o barbudo ‘Primo, o Louco’
Um intermitente poeta de rua
Que se fazia de guarda de trânsito
Nas esquinas da Avenida:
Declamava seus versos e cantava
Bem às portas dos Salões de Beleza.
Também não posso deixar de citar
As moças da Casa da Dona Belmira
(que era um dos principais pontos da ‘Zona’
Aonde engraxei muitos sapatos e bolsas)
Todos foram, de alguma forma,
Importantes na vida desse menino!

IV – DO BURACÃO:

Lembro-me bem dos dias tão tristes 
Das chuvas torrenciais contínuas
Que formaram a erosão avassaladora, 
Que em zigue-zague voraz e carnívoro,
Avançara rasgando suas carnes
Quase sangrando a Presidente Vargas.
E as pequeninas mãos desse menino
Ajudaram a encher sacos de areia e cascalhos
Para estancar a hemorragia de suas entranhas
Que respingava na face das pessoas
Em forma de gotas de orvalhos nos olhos...


V – DO COLÉGIO I.E.S.S.:

Saudades dos professores inesquecíveis:
Irene Brigatti, Maria, Vânia,
Depois Durvalina, Dorinha, Izaura,
Quincas, Edson, Diogo.
O poeta Hamintas Barreto
E tantos outros da minha infância.
As primeiras filosofanças
Nas saídas ou nos intervalos
Com o Vilora (‘o nada Calado!’)
Ou com o concentrado Jun Osaki.
Haviam as ilustrações mirabolantes
Nos folhetins do grêmio estudantil
Do criativo Nerivaldo Torquatto.
E também as letras bem desenhadas
Que aprendi, com muito capricho,
Com o recém chegado José Adeide.
O som estridente da campainha
Que muitas vezes nos despertava
Nas pesadas carteiras de peroba
Aonde sentávamos em duplas.
E depois, pelas ruas poeirentas
Lá se ia o murmúrio animado
Ao final das aulas noturnas.
Teria que se apressar os passos
Pois as luzes nos postes de aroeira




VI – ALGUMAS DIVERSÕES:

O cheiro de mato orvalhado
Que emanava do denso bosque
Localizado bem próximo ao Colégio.
Os preás, os pássaros, as frutas do mato...
É bem fácil eu fechar os meus olhos
E ouvir novamente o alvoroço rasteiro
Que por entre as ramagens e galhos
Faziam os calangos desesperados, fugindo,
Das enxadas e foices do Antônio Doarte. 
Saudades dos antigos Cinemas:
Cine Lar do Menor, Reino, Presidente,
Que traziam Tarzan, ‘macistes’ e Roy Rogers...
E das canções que saíam rasgadas
Das guitarras do Conjunto dos Araújos,
Na Pista de Dança do Ginásio,
Naquelas preguiçosas tardes de Domingo.
E os amigos mais assíduos
das brincadeiras inventadas
De ‘salva’, faroeste ou de espadas:
No ‘mamonal’ ou nos canaviais
Que ficavam nos quarteirões
Ao redor do Cine Lar e do Colégio:
Rui Simões, Guga, Luís Tripa, Nikika,
Moisés, Telmo, Terrinha e outros.
Além do Domingos e o Edson,
Que eram mantidos e cuidados 
pelo Pe. Roberto, o Diretor.
Agora, a lembrança no peito não cabe
Também dos forrós namoradeiros
Em meio às poeiras e os barreiros
Com a Sanfona do Joabe...
Nos tantos recantos rurais
Da Terceira, Quarta, Quinta Linhas:
Estão vivos nas recordações minhas
Dias como aqueles não tive mais! 


VII – DO FUTEBOL:

Recordo-me de grandes jogos históricos
No campão oficial da ‘Vila Sapo’
Ao final da estrada da JB:
Sob as traves, o Bica pegava tudo,
Havia o Zezinho e o Futrica pelo meio
E o goleador Hildebrando na frente.
E também o Bauru e o Jaburu
A grande zaga do ‘Dois de Maio’!
Não há como ficar no esquecimento
Alguns dos ídolos desse menino...
E os amigos das ‘peladas’ de rua
Que ocorriam na Melvin Jones
Próximo da casa dos Toro Vidal:
Zé Bezerra, Bené, Tonho,
Paulo Ximenes, Tão, Donizete,
Carlos Campos, Zé Galo e outros...
Onde estarão todos, meu Deus?
E também o Dedé (do seu Zé Venâncio)
Costurando as nossas bolas de sonhos
Que nem eram as de Número Cinco.
Mas hoje nós bem sabemos
Eram todas Oficiais!





VIII – DA FANFARRA:

Saudade da velha fanfarra
Que acordava a cidade bem cedo
Com os apitos ritmados e agudos
Do Instrutor, Paulinho Magalhães:
O meu tarol, os triângulos, as cornetas,
Umedecidos ainda de orvalhos
Ressoam intensamente dentro de mim.
Aqueles ensaios nas madrugadas



O tempo arrastou pra bem longe...
IX – DA AVENIDA PRESIDENTE VARGAS:

Favor fecharem as portas
Na Avenida Presidente Vargas
Para o finado passar’.
Não há como esquecer aquelas tardes
Em que, nos canteiros centrais da Avenida,
As pernas bem torneadas e lisas
Da colega de sala Madalena Lanziani
Tentavam se esconder, inutilmente,
Sob a saia vermelha, bem curta,
Dos olhos atentos desse menino



Em plena fase hormonal púbere!
X – DA PRAÇA CENTRAL:



Recordo bem dos seus bancos de cimento
E as pontezinhas sobre canteiro de águas;
A primeira TV, Colorado RQ, no alto,
Instalada entre o Relógio e o Palanque.
E assim que o Gerador, já cansado,
Da Máquina de Arroz do Mané Campo
Terminava por apagar as luzes
Ainda havia as estórias verdadeiras
Do Seu Lourenço, o Guarda: 
Depois de todos os bares fechados
E ninguém mais na Pracinha.
Só restavam aquelas últimas falas,

Seus poetas seguiam em paz!

XI – DOS ORVALHOS:

Saudade, enfim, é todo esse tempo
Ficar pensando em Você
Minha Glória de Dourados:
Que os orvalhos das suas madrugadas
No vai e em do tempo
Umedeceram a minha alma.
E ficaram molhando para sempre

Os olhos desse menino.

(confissões de um pequeno passageiro do tempo em Glória) 

Diobelso Teodoro de Souza, poeta, médico. De uma prole de 7, da Dona Ester Ribeiro, é o filho do meio: João, Samuel, Cezira – eu – Chris, Geter e Cléia. Todos estão bem vivos, graças a Deus!








3 comentários:

Unknown disse...

Parabéns pela iniciativa, Edna Amorim. A ilustração valorizou ainda mais o trabalho do Diobelso, ampliando o mérito da divulgação que você providenciou.
Antônio Doarte

ivoneide disse...

Parabéns Diobelso, Em cada palavra, deu para perceber que escreveu com o coração! Através de seu poema, revivemos e fizemos uma viagem! Lindo!

Edna Silva disse...

Nas brincadeiras de faroeste em volta do cine reino, sempre estava lá EU e MARINUZIA, VANILDO E MEU IRMÃO ROMILDO. FAZIAMOS AS CABANAS DE INDIO COM VARETAS E FOLHAS DE MOMONAS,naquela rua tambem existia um arteal, que nas noites de lua cheia ficavamos assustando o pessoal que vinha da igreja,pois eu mei irmão Vanildo Narinuzia e Marcos Reino moravamos naquela rua, BELOS TEMPO, BELOS DIAS...